quinta-feira, 15 de janeiro de 2004

Reciprocidade Contra Turista Americano: Tiro de 12 no Pé

Assim como alguns dos meus 17 leitores desse weblog, estou pasmo que o governo PT tenha escolhido externar seu anti-americanismo implementando a decisão do juiz de Mato Grosso. Esta é uma das formas mais estúpidas de fazê-lo. O princípio da reciprocidade deve ser sacado quando é de interesse do país. É de interesse do Brasil fazer turistas americanos esperarem entre uma e nove horas nos nossos portos de entrada como a recíproca de um rápido processo biométrico americano que supostamente afugenta o turista brasileiro daquele país? Isto, na prática, é o equivalente a embargar a entrada de todos os americanos no Brasil, porém feito de forma lenta, ao passo da difusão das notícias entre potenciais turistas americanos (ontem na página do 'Drudge Report', o site de notícias mais visitado nos EUA, com média de seis milhões de hits diários, havia um link para uma notícia da BBC que divulgava que as "medidas têm causado longas demoras para viajantes" e que "some incoming US flight passengers were delayed at the airport for up to nine hours while security officials ran identification checks"). O princípio da reciprocidade em relações internacionais nos permite agir, mas não nos obriga a agir. É absolutamente inacreditável que um juiz possa entender o contrário. É também inacreditável que o governo PT, veementemente contra a redução da maioridade penal, pois a última seria uma medida--adivinhem--"vingativa", sancione a vingança desse juiz. Esta medida mostra para mim outros aspectos inacreditáveis da nossa terra. Como pode, por exemplo, um juiz que não recebeu o voto de sequer um eleitor brasileiro reger e afetar de tal forma a relação entre o Brasil e outro país. (Isso ignorando o fato de que, no momento, este 'outro país' é a maior potência militar e econômica do planeta.) Como pode grande parte da população apoiar uma medida sem nenhum benefício prático, mas com altos custos tanto para as nossas polícias quanto para a indústria do turismo, num país onde os recursos são extremamente escassos, onde há milhões de crianças fora das escolas e onde a violência está totalmente fora de controle? Não defendo que as pessoas abram mão de princípios básicos na busca de recursos. Porém o princípio da reciprocidade não é um desses princípios básicos. Isto é conhecimento de todos. Quantos brasileiros se recusam a chamar o chefe de 'doutor' já que o chefe não é doutor em nada e não trata o empregado com igual reverência? Certo, o Brasil não é empregado dos EUA. Este exemplo é somente para mostrar que, mesmo no nosso dia-a-dia, outros princípios frequentemente tomam a frente em relação à reciprocidade. Por que as nossas elites, especialmente a intelectual, são unanimemente contra a pena de morte, mesmo contra sua aplicação nos casos onde o assassino demonstra crueldade e covardia sem limites? Certamente porque elas põem a reciprocidade de lado (no momento errado, a meu ver, mas é outro exemplo). Não faz então sentido aplicar a reciprocidade quando ela causa tamanho dano à indústria do turismo e quando ela desvia recursos importantíssimos da polícia federal para aplicá-los contra centenas de milhares de turistas americanos que anualmente vêm ao Brasil. É curioso até notar aqui o seguinte: na medida em que o sistema brasileiro é otimizado, ele perde ainda mais a razão de existir. Pois afinal o único benefício da medida é atazanar a vida dos americanos para se vingar das medidas de segurança do governo deles. A montanha de dados que recolheremos são praticamente de valor nulo para as nossas polícias. Sem atazanar os americanos, o único beneficio desaparece e só sobram os custos de operar esse maquinário nos portos de entrada do Brasil. Faz um mínimo de sentido investir na compra e manutenção dessa infra-estrutura portuária enquanto nossas polícias são incapazes de averiguar que o suspeito do assassinato de uma criança, detido na investigação, é um assassino condenado a 27 anos de prisão que fugiu após quatro meses na cadeia?