quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Caso do Charuto: Cidade Louca ou Abuso de Poder Racional? Infelizmente Ambos

Enquanto rola uma guerra civil aberta no Rio, onde cada dia é uma verdadeira roleta russa para todo cidadão--dentro ou fora de casa--, uma delegada cuja mãe se envolveu num bate-boca--por causa de um charuto!--acha natural o cerco que a polícia civil fez à churrascaria onde ocorreu o bate-boca. O trágico desta história é que ela demonstra mais uma vez que o policial age racionalmente ao se preocupar com leis pouco importantes (no final das contas o fumante estava numa área de fumo legal. Mas quem vai lá saber disso com as milhões de leis que temos?) enquanto leis sérias são violadas. Se você fosse um policial você perseguiria um motorista com um celular na mão ou um com uma Glock? No Brasil as pessoas acreditam que tudo se soluciona com mais leis, mas jamais consideram os custos, embutidos ou explícitos, que essas leis geram. Você vê isso o tempo todo. Um belo exemplo, não-relacionado à violência mas que me deixa doido, são as restrições às construções legais nas encostas do Rio, e o apoio que a elite carioca dá a tais restrições. Ora, se estas restrições só gerassem o benefício de morros verdes, sem custos para a sociedade, seria uma beleza. Mas obviamente este não é o caso. Além de suprimir a oferta de moradia formal, o que aumenta o seu custo e consequentemente a demanda pela alternativa--a favela--, você acha que agentes governamentais vão perseguir o Zé que vai erguer um barraco no morro? Claro que não. Os fiscais, racionalmente, tem todos os incentivos de perseguir as construções formais haja visto que elas envolvem muito mais dinheiro e certamente estão violando uma ou mais das quinhentas milhões de leis utópicas que temos. Então a escolha que temos não é entre montanhas verdes ou montanhas povoadas formalmente, mas sim entre montanhas favelizadas ou montanhas povoadas formalmente. Acho que no Rio você só vai encontrar meia dúzia de pessoas que entendem isso--incluindo na contagem o seu caro autor. É realmente o caso de uma elite que não pensa direito e o resultado é o atual Rio.
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Globo On-Line 9-9-04

O secretário de Segurança, Anthony Garotinho, determinou a instauração de inquérito para investigar por que seis patrulhas da Polícia Civil foram no domingo passado a uma churrascaria em Ipanema para intervir num bate-boca por causa de um charuto, envolvendo a mãe de uma delegada e o filho de um militar. "O inquérito da Polícia Civil vai apurar se houve abuso policial e, se houver irregularidades, eles serão punidos", disse Garotinho.A discussão aconteceu por causa da fumaça do charuto e envolveu a pedagoga Marina Muniz, mãe da delegada Monique Vidal, e o filho do coronel da Aeronáutica Hermano Sampaio. Seis patrulhas da Polícia Civil, sendo três da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), grupo de elite da corporação, foram parar na porta da churrascaria. O delegado Ricardo Martins, diretor do Departamento de Polícia da Capital, disse ontem, no entanto, que foi instaurado até agora apenas um procedimento para apuração preliminar. Segundo ele, só será instaurado inquérito caso fique comprovada qualquer transgressão. O delegado pediu informações ontem à 14ª DP (Leblon) e ao Centro de Comunicação da Polícia Civil para saber como as equipes da Core foram acionadas. "É prematuro fazer qualquer comentário. Há até agora muitas histórias", alegou Ricardo Martins. Monique Vidal, titular da 12ª DP (Copacabana), classificou como natural o cerco à churrascaria. O bate-boca começou no bar da churrascaria, onde é permitido fumar.